As origens do bacalhau

O Bacalhau é sem dúvida, o rei da mesa dos portugueses e - na maioria das vezes - considerado como o alimento principal da gastronomia tradicional. Quais são então as razões que estão por trás desta preferência dos nacionais se na verdade o bacalhau é pescado tão longe nas nossas costas, na distante Islândia, Noruega, Ilhas Faróe ou até mesmo na Terra Nova?

O respeito por séculos de tradição

Há vários séculos que o bacalhau está presente no padrão alimentar dos portugueses, razão que justifica a enorme quantidade de receitas à base do fiel amigo, podendo este ser consumido assado, grelhado, frito, cozido, estufado ou até mesmo cru.

Os Vikings estão descritos como sendo o primeiro povo a utilizar o bacalhau na sua dieta em grandes quantidades e a conservar o bacalhau através da secagem, no entanto, sem a utilização do sal. Já a introdução da salga no processo de conservação do bacalhau foi da responsabilidade do povo Basco, sendo que, por volta do ano 1000 este já chegava muito além do habitat setentrional deste peixe, pois, sendo salgado antes de ser seco, o peixe tinha uma maior durabilidade.
Em Portugal os primeiros registos de captura e consumo do bacalhau datam finais do século XV, sendo que foram os portugueses o primeiro povo a pescar bacalhau na Terra Nova (Canadá).

Fotografias antigas e factos históricos baseados na publicação Oceanos - Terra Nova, a Epopeia do Bacalhau, número 45, publicada pela Bertrand

Antigamente, quando o bacalhau era pescado por lugres portugueses, era escalado, limpo, imediatamente salgado e armazenado em porão, sendo tudo isto feito em pleno alto mar. Actualmente, os barcos de pesca são mais pequenos - partem para a faina diariamente e descarregam em terra todos os dias.

Para garantir a qualidade do bacalhau, quando este é descarregado é imediatamente esviscerado, escabeçado, escalado e salgado em terra, não se verificando a tradicional salga em alto mar.

Nos finais do séc. XIX eram usados para a pesca do bacalhau pequenos veleiros - lugres - construídos em madeira com capacidade para pouco mais de uma vintena de homens. A pesca, iniciada entre Fevereiro e Maio, prolongava-se por vários meses e utilizava uma técnica relativamente simples: estendia-se a linha - a madre - contendo uma grande quantidade de anzóis presos em fios mais pequenos - os estrovos - ficando as duas extremidades assinaladas com bóias permanecendo no mar por várias horas. Uma vez terminada a safra, o peixe era embarcado, esventrado e colocado no sal, mas não sem que antes lhe fosse cortada a língua para facilitar a contabilização da pescaria.

Com o avançar do tempo, os pescadores portugueses foram-se mantendo sempre fiéis a esta prática, no entanto, os outros países modernizaram a sua frota pesqueira e as artes de pesca.

Como consequência deste atraso tecnológico na frota de pesca do bacalhau, Portugal foi rapidamente ultrapassado por outros países europeus, cujas rotas de arrastões e pesca intensiva vieram desencadear a decadência da frota portuguesa da pesca à linha, revelando-se deste modo, a principal razão pela escassez de peixe.

E como era a pesca?

Usavam-se linhas e anzóis. Já o ar frio e seco permitia que o peixe secasse ao vento sem o uso de sal. O processo simples tornava possível aos agricultores nórdicos do litoral e pescadores irem pescar e obter lucro ao venderem peixe aos mercadores. Os homens de família concentravam-se na pesca, enquanto as mulheres cuidavam dos animais e das culturas.

O bacalhau era ainda transportado para um "sítio estratégico" na Noruega, a localidade de Bergen, que estava situada entre as zonas de pesca do Norte e os mercados europeus. Foi em Bergen que, em meados do século XIII, os mercadores ganharam o controlo da exportação de bacalhau. No século XIV já dominavam o mercado do Noroeste da Europa, na área do rio Reno e nas terras do Báltico.

O papel de Portugal na pesca do bacalhau

Foi no final do século XV que os navegadores portugueses se depararam com esta terra longínqua: a Terra Nova dos Bacalhaus. Terá sido Gaspar Corte Real o primeiro navegador português a alcançar aquelas paragens, logo seguido do seu irmão Miguel Corte Real, João Álvaro Fagundes e João Fernandes Lavrador, que ao navegar para o Atlântico Noroeste, numa tentativa de achar a contracosta da Índia depararam-se inadvertidamente, com a Terra Nova. O sítio vem já mencionado em 1502 no planisfério de Cantino,  uma carta náutica que representa os Descobrimentos portugueses. Foi com este engano à procura do caminho marítimo para a Índia que a pesca do bacalhau começou para os portugueses. Aliás, os pescadores lusitanos, foram os únicos a dispor desde 1506 de uma colónia fixa na Terra Nova e nas Costas do Canadá, composta de gente de Viana, Aveiro e da Terceira. Tudo na sequência da rota que partia de Aveiro, se dirigia à ilha Terceira nos Açores para depois rumar ao Lavrador aproveitando a corrente do Golfo.

O valor do bacalhau para Portugal

A importância desta faina passou a ser tanta que em em 1506 o Rei D. Manuel passou a mandar cobrar o dízimo nos portos de Aveiro e Viana sobre o bacalhau proveniente da Terra Nova, tal o volume e a importância que estava a adquirir na dieta alimentar dos portugueses.

A partir dos anos 80 desse século, devido a um reordenamento das potências europeias, os barcos pesqueiros portugueses vão perdendo o acesso à "Terra Nova dos Bacalhaus" para os franceses holandeses e ingleses, tendo de todas as formas já o bacalhau conquistado um lugar permanente na mesa dos portugueses. Entretanto, o fiel amigo passa a ser importado até à passagem do sec. XIX para o século XX quando navios veleiros armados em Ílhavo e Aveiro regressaram aos bancos da Terra Nova.

Algumas décadas depois, o Estado Novo encararia a pesca do bacalhau como uma Epopeia do Bacalhau como que numa espécie tributo aos Descobrimentos Portugueses.